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30/06/2017
ECOS DO ESCRAVISMO.
Por Valdemar Pinho


Desde a chegada dos portugueses ao Brasil em 1500 a escravidão foi adotada como algo natural para a geração de riqueza. Na verdade a escravidão já existia entre os indígenas, que escravizavam os prisioneiros de guerra. Os colonizadores estabeleceram acordos com as tribos amigas para utilizar os seus escravos na exploração do pau brasil. Os indígenas foram utilizados como mão de obra escrava até 1755, quando o Marquês de Pombal igualou os índios aos portugueses e proibiu sua escravidão. Só fez isso para obter a posse da Amazônia para Portugal, demonstrando a sua ocupação por índios “portugueses”, prevista no Tratado de Madri de 1750. A partir de 1539 os primeiros escravos africanos chegaram ao Brasil e se espalharam por todo o território, até o fim da escravidão em 1888. Estes eram comprados de tribos africanas que capturavam os inimigos de outras tribos, ou de mercadores de escravos que os obtinham também através de captura. A “justificativa” prática prá escravidão é que não havia outra mão de obra para desenvolver a produção. A ideológica é que os escravos eram inferiores, menos inteligentes, primitivos, selvagens e vagabundos que só trabalhavam sob chicote. A afirmação de que “não tinham alma” foi propagada como se tivesse sido atestada pela igreja católica, embora sem mostrar onde e quando ela “atestou”. Segundo essa ideologia a desigualdade é legítima, pois “a natureza” criou as diferenças de “capacidades e potências individuais” entre homens livres e escravos, que resultam em diferença de posições sociais. Evaristo da Veiga, defensor ferrenho do liberalismo, escreveu que “o mundo viu sempre os tímidos seguirem aos bravos, os menos hábeis obedecerem aos mais hábeis, as inferioridades naturais reconhecerem as superioridades naturais e lhes obedecerem”. Sempre a serviço da submissão da maioria à minoria dominante. Aos que aceitassem isso era possível dar alguns benefícios. Aos demais apenas repressão. Na imensa maioria da história do Brasil essa foi a tônica. Foram em torno de 380 anos de escravidão que forjaram concepções que hoje são vistas como naturais por parcela significativa da população.

Alfredo Bosi, em seu texto “A escravidão entre dois liberalismos” (http://www.scielo.br/scielo.php script=sci_arttext&pid=S0103-40141988000300002) afirma que “é nas práticas sociais e culturais, fundamente enraizadas no tempo e no espaço, que se formam as ideologias e as expressões simbólicas em geral. A ideologia compõe retoricamente certas motivações particulares e as dá como necessidades gerais. Para entender a articulação de ideologia liberal com prática escravista é preciso refletir sobre os modos de pensar dominantes da classe política brasileira que se impôs nos anos da Independência e trabalhou pela consolidação do novo Império entre 1831 e 1860 aproximadamente. Esse liberalismo ativo e desenvolto simplesmente não existiu, enquanto ideologia dominante”. Liberalismo era (ainda é?) “apenas a liberdade de produzir, vender e comprar”, inclusive escravos, e não a noção de igualdade e democracia à qual o termo é comumente associado por liberais. “Há uma dinâmica interna no velho liberalismo econômico que, levando às últimas conseqüências a vontade de autonomia do cidadão-proprietário, se insurge contra qualquer tipo de restrição jurídica à sua esfera de iniciativa”. Vale ainda hoje para a “reforma trabalhista” e a revogação da CLT? O grande teórico do liberalismo, Adam Smith, considerava o trabalho assalariado mais lucrativo além de ético, mas não nas colônias dos países capitalistas: "Tal como o lucro e êxito do cultivo executado pelo gado depende muito da boa administração desse mesmo gado, também o lucro e êxito da cultura executada pelos escravos dependerá igualmente de uma boa administração desses escravos”. Aceitou a escravidão para a produção, desde que os escravos fossem bem tratados, pois dariam mais lucro. As relações entre os senhores e seus escravos variavam, desde os que impunham o trabalho pela força até outros que “negociavam” algumas “concessões”.

Havia condutas adequadas pra Casa Grande, pra Senzala e pros Quilombos. E as instituições? Em 1868 Quintino Bocayuva já mostrava a sua utilidade: "As instituições existem, mas por e para 30% dos cidadãos” (cidadãos eram só os homens livres; eram 30% deles, excluindo a maioria da população). “A opinião pública é uma metáfora sem base; há só a opinião dos 30%". Em 1900 Joaquim Nabuco, no texto Massangana, fala sobre a “gratidão” do escravo ao seu dono “bom” e profetizou: “A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil. Ela espalhou por nossas vastas solidões uma grande suavidade; seu contato foi a primeira forma que recebeu a natureza virgem do país, e foi a que ele guardou; ela povoou-o como se fosse uma religião natural e viva”.

Como foi possível criar, impor e legitimar a ideologia da Casa Grande à maioria da sociedade? Quais ecos dela ainda condicionam as ideologias dos dias de hoje?

Para abordar essas questões será preciso outro artigo.

 

Pinho é médico - Ex-vice-prefeito de Botucatu




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