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OPINIÃO
11/08/2017
O Tribunal
Por Valdemar Pinho


Por Valdemar Pinho

A noção de justiça evoluiu juntamente com a noção da oposição entre civilização e barbárie. É inaceitável que a justiça sirva para perseguir quem tem crenças divergentes em relação ao aceito como “correto” pelos responsáveis pela aplicação da lei, ou por ter idéias contrárias ao considerado “normal” pelos poderosos do momento. E é inaceitável que os responsáveis pela investigação e julgamento julguem baseados em suas crenças “religiosas” ou interesses políticos dos poderosos. Ou seja, não é aceitável que se condene alguém sem provas, baseando-se apenas em delações, principalmente se essas delações resultarem em benefícios pessoais para os delatores. É uma aberração que o Grande Inquisidor possa decidir o que é ou não crime e condenar baseado nessas suas convicções. Infelizmente isso ocorreu. Do século 13 ao início do século 19. Nos Tribunais da Inquisição.

Esses tribunais foram instituídos na Europa, a partir do século 13, pela igreja católica para combater e julgar pessoas que se “desviavam da doutrina da igreja” e eram considerados hereges. Os reinados eram os responsáveis por aplicar as penas e, com o tempo, foram autorizados a montar seus próprios tribunais em parceria com a igreja. E utilizavam os tribunais para garantir seus objetivos políticos, como a Espanha utilizou para garantir a unidade do reinado recém criado. Os processos eram iniciados a partir de manifestação pública de idéias que divergiam dos fundamentos doutrinários, ou a partir de denúncias. Era mantido o sigilo dos denunciantes e, se o denunciado fosse condenado à morte ou prisão perpétua, o denunciante herdava a sua fortuna. Durante o processo os hereges poderiam “abjurar” - declarar publicamente seu arrependimento em relação a suas idéias (seus “pecados”). Se o fizessem eram absolvidos ou recebiam penas mais ou menos brandas. Caso se recusassem a abjurar seriam condenados, com penas que variavam de prisão temporária a pena de morte na fogueira, cumprida em praça pública para mostrar aos cidadãos o que os esperaria caso se desviassem.

Dezenas de milhares foram julgados. A estimativa sobre os condenados é polêmica, e o de executados na fogueira gira entre 1 a 2%%. Além das heresias religiosas qualquer crença ou ação considerada desviante eram também enquadradas como heresia. Judeus, mulheres consideradas bruxas, bígamos e homossexuais também foram julgados e condenados. Os casos mais famosos relatados na história foram os de Giordano Bruno e de Galileu Galilei. Giordano Bruno foi um frade dominicano, doutor em teologia, filósofo e escritor. Defendia que a terra girava em torno do sol, que o universo estava em constante transformação e era constituído por uma infinitude de estrelas parecidas com o sol, com planetas extra-solares com vida inteligente. Foi um precursor da teoria da relatividade. Isso na segunda metade dos anos 1500, quando os dogmas religiosos afirmavam que a terra era o centro do universo e o único lugar nele onde o criador criou vida, e tudo girava ao seu redor. Do ponto de vista teológico defendia várias concepções frontalmente opostas à teologia da igreja. Recusou-se a abjurar e em fevereiro de 1600foi condenado à morte na fogueira, acusado de heresia. Ao ouvir sua sentença teria desafiado o tribunal, afirmando "talvez sintam maior temor ao pronunciar esta sentença do que eu ao ouvi-la". Foi executado com um objeto de madeira colocado na boca para que não se manifestasse durante a execução.

Outro caso emblemático foi o de Galileu Galilei, filósofo, matemático, físico e astrônomo, considerado o “pai da ciência moderna”. Descobriu várias leis precursoras da mecânica newtoniana e desenvolveu vários instrumentos de medição. Em 1610 publica “O mensageiro das Estrelas” detalhando observações dos planetas do sistema solar e estrelas da via látea, que contrariavam os dogmas geocêntricos da época Isso aumentou seu prestígio e iniciou seus problemas com a Inquisição. Em 1633 foi julgado, e ameaçado de condenação a tortura se não abjurasse suas crenças de que a terra e os planetas giram em torno do sol. Ao final leu uma confissão imposta onde declara “Com sinceridade e verdadeira fé, abjuro, amaldiçoo e abomino os citados erros e heresia... e que doravante nunca mais direi ou afirmarei, oralmente ou por escrito, qualquer coisa que possa atrair semelhante suspeita sobre mim." Ao sair do tribunal disse a frase: "E, no entanto, ela se move". Apesar de abjurar, foi condenado a uma vida em cativeiro em prisão domiciliar, aonde morreu em 1642.

Felizmente as instituições da justiça evoluíram e hoje os julgamentos são feitos com base em provas, tentando abolir a influência da subjetividade e de interesses escusos. Certo? Ou nem tanto?

 

Pinho é médico, ex-vice-prefeito de Botucatu




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