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OPINIÃO
24/01/2018
A CONDENAÇÃO DE LULA: DE WASHINGTON A PORTO ALEGRE
Por Valdemar Pinho


A condenação do Lula em Porto Alegre foi decidida há muito tempo. O que não estava nos planos é a forma em que ocorrerá no dia 24 próximo. Só será dessa forma porque Lula é “teimoso”. Onde já se viu resistir ao golpe e denunciá-lo em caravanas pelo Brasil afora? E querer ser candidato a Presidente em 2018? E estar em primeiro lugar em todas as pesquisas eleitorais, muito à frente dos demais? A compreensão sobre o golpe, suas consequências e os processos contra o Lula deve ser buscada na história do Brasil e da América Latina.
 
AS VEIAS ABERTAS DA AMÉRICA LATINA
O séc. 20 se inicia com o conflito entre as potências imperialistas pelo controle das matérias primas escassas (originadas nas colônias) necessárias aos seus desenvolvimentos. Isso acabou na primeira e segunda guerras mundiais. Após cada um desses conflitos as colônias conseguem paulatinamente sua independência, mas permanecem “satélites” econômica e politicamente dependentes de um dos países hegemônicos. Alguns governos nacionalistas “jogam” contra as nações hegemônicas tentando criar condições para seu próprio desenvolvimento, o que provoca reações da potência, que vê seus interesses ameaçados. Na América Latina os EUA garantiram a existência de “governos amigos" e sempre intervieram quando algum governo assumia políticas independentes. Entre 1908 e 1937 ocorreram 18 golpes militares em 11 países latino-americanos; entre 1938 e 1944, período da segunda guerra, só um, em 1944. Na imensa maioria deles houve interferência direta ou indireta dos EUA.
 
Após a segunda guerra mundial o mundo se divide em áreas de influência de duas potências hegemônicas (secundadas por alguns países aliados de cada lado): os Estados Unidos da América e a União Soviética. Instala-se a “Guerra Fria” (1945 - 1991), “um estado de conflito entre nações que não envolve uma ação militar direta, mas é exercida principalmente através de ações econômicas e políticas, propaganda, atos de espionagem ou de guerras por procuração travadas pelos substitutos. Os substitutos são tipicamente os Estados que são ‘satélites’ das nações em conflito, ou seja, nações aliadas a elas ou sob sua influência política”. (Wikipédia) A América Latina se situa na esfera de influência dos EUA, e qualquer governo mais à esquerda (desde os comunistas até os simplesmente nacionalistas) que ameaçou os interesses dos EUA foi derrubado através de golpes militares inspirados, orientados e financiados pelos EUA. Entre 1945 e 1960 ocorreram 13 golpes em 10 países. Em 1961 foram criados o Colégio Interamericano de Defesa, para coordenar as Forças Armadas continentais, e a Escola do Exército Americano para as Américas, na Zona do Canal do Panamá. Em dez anos, a Escola das Américas diploma 33.147 oficiais latino-americanos, resultando, anos depois, nos sucessivos golpes que a América Latina sofreu nas décadas seguintes. Entre 1962 e 2015 ocorreram 32 golpes em 17 países. Em quase todos os golpes os EUA não atuaram diretamente, contando sempre com organizações locais que executaram o golpe. Os governos resultantes dos golpes adotavam políticas econômicas liberais e reprimindo violentamente os movimentos populares.
 
A primeira experiência de implantação do receituário neoliberal após um golpe de Estado ocorreu no Chile em 1973 e serviu de modelo para a implantação em outros países. Privatizações das empresas e serviços públicos, redução drástica dos direitos sociais, redução de impostos para os mais ricos e implantação de um sistema tributário regressivo etc, foram aplicados, garantidos por uma repressão feroz aos movimentos sociais. “A perseguição aos organismos sindicais, a neutralização das organizações sociais e a proibição da existência de partidos políticos e até do direito de reunião e associação, o fechamento do Parlamento, eram elementos necessários para a aplicação do ‘modelo’. A ausência de liberdade de imprensa e de Justiça autônoma contribuíram para configurar um quadro em que os economistas que ganharam a confiança de Pinochet tiveram um terreno fértil para plantar.” (María Olivia Mönckeberg) Durante o governo Pinochet (1973-1993) o PIB cresceu 191% e o PIB per capita subiu 79,8%, no que foi chamado de “milagre chileno” pelos defensores do neoliberalismo.  Mas a outra face desse “milagre” foi o gigantesco aumento da dívida externa, e a concentração de renda, transformando o Chile num dos países mais desiguais do mundo, quando antes do golpe era um exemplo de distribuição de renda equilibrada. Os 5% mais ricos ganham 830 vezes mais que os 5% mais pobres. A privatização da Previdência excluiu grande parte da população. Até hoje 39% da população chilena não tem seguridade social, mesmo após algumas correções feitas pelos governos socialistas. As taxas cobradas pelas Universidades são as segundas mais altas do mundo, só superadas pelas dos EUA, o que inviabiliza a maioria da população sonhar com um diploma universitário.
 
Margaret Thatcher tornou-se um ícone do neoliberalismo ao implantar suas prescrições na Grã Bretanha entre 1979 e 1990 com resultados semelhantes aos de Pinochet. Ao final de seu governo 18% das crianças inglesas viviam em famílias pobres, o pior índice entre os países desenvolvidos. Apesar disso, em 1989 todas as instituições financeiras mundiais, situadas nos EUA, assumiram as receitas neoliberais em suas ações nos países em desenvolvimento no mundo e na América Latina, no que ficou conhecido como “Consenso de Washington”. A partir dos anos 90 seu receituário foi adotado pelos países da América Latina, inclusive pelo Brasil, com resultados catastróficos, o que levou à eleição de partidos de esquerda na maioria deles.
 
O “PLANO ATLANTA”
A revista Carta Capital em sua edição de 01/01/2014 e em seu site explicita um esquema golpista de tipo novo. Não que os golpes militares estejam excluídos para sempre, mas criaram muita resistência no imaginário da população. Os golpes midiático-jurídico-parlamentares tentam ter um ar de “legalidade”. No final de 2012 reuniram-se em Atlanta alguns ex-presidentes latino-americanos de centro-direita ou direita para definir “como varrer adversários progressistas do mapa”. O ex-presidente uruguaio Luis Alberto Lacalle admitiu que “não podemos ganhar desses comunistas pela via eleitoral”. Esse “Plano” consistia em “desmoralizar líderes progressistas via mídia com acusações de corrupção, inclusive a familiares, e ataques ao comportamento privado deles. Depois, converter os escândalos em processos judiciais que acabem com a carreira da turma.” Os nomes de alguns expoentes da mídia articulados com o “Plano” foram citados. Quem relata o conteúdo da reunião é Manolo Pichardo, um político da República Dominicana que não deveria ter sido convidado. Ele não sabe se esta reunião foi a primeira ou apenas mais uma. O fato da reunião de políticos latino-americanos de direita ser realizada nos EUA é sintomático. Os participantes defendem as teses neoliberais e a primazia do “mercado”. Alguma semelhança com o golpe brasileiro?
 
A nova versão da Estratégia de Segurança dos EUA afirma que “instrumentos econômicos – incluindo sanções, medidas anticorrupção e antilavagem de dinheiro e ações de execução empresarial – podem ser partes importantes de estratégias mais amplas para dissuadir, coagir e restringir adversários”. No passado a estratégia principal era “formar” militares “amigos” (ainda é?). Agora sabemos que os Procuradores e Juízes mais entrosados com a mídia fazem cursos nos Estados Unidos, com presença periódica e constante lá para “troca de informações”. Esses servidores públicos por várias vezes atuaram em sintonia com a TV Globo, vazando informações privilegiadas. O Judiciário não moveu uma palha para punir vazamentos ilegais, nem para considerar inconstitucional um impeachment sem crime de responsabilidade. E fez, e faz, vistas grossas para as compras de votos dos parlamentares.
 
Após um massacre midiático por vários anos Lula foi acusado de corrupção por receber vantagem indevida originada de contratos superfaturados da Petrobrás, o tríplex do Guarujá. Após investigação exaustiva, com quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico e de internet, dele, seus familiares, advogados, amigos e sabe-se mais lá de quem, nada foi encontrado. Mas foi condenado por “atos indeterminados”, admitindo o juiz Moro que nenhuma prova foi encontrada. E ninguém tem dúvida de que será condenado em segunda instância no TRF4, como já admitiu implicitamente o presidente do tribunal e o relator do processo. Uma vergonha, que está sendo monitorada internacionalmente. É o golpe tentando garantir a sua continuidade.
O que acontecerá em seguida? Quem viver verá.
 
Pinho é médico, ex-vice-prefeito de Botucatu
 



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